O mapa utilizado até aqui para estudar a biodiversidade dos vertebrados à face da Terra datava de 1876. Desde ontem, há um novo mapa, que integra a árvore genética das espécies.
Uma equipa internacional de investigadores, entre os quais um especialista português de biodiversidade, combinou os dados evolutivos e geográficos - coligidos ao longo de 20 anos sobre 21.037 espécies de vertebrados - e produziu um mapa "moderno" da distribuição geográfica de todos os mamíferos não-marinhos, dos anfíbios e das aves actualmente conhecidos.
O novo mapa, apresentado ontem ao fim da tarde na edição online da revista Science, actualiza e "corrige" o mapa utilizado até aqui pelos especialistas como base para os estudos da biodiversidade animal no nosso planeta. Um mapa que data de... 1876 e cujo autor foi o naturalista britânico Alfred Russel Wallace, co-descobridor, independentemente de Charles Darwin, da teoria da selecção natural das espécies.
Os autores da actualização confirmaram agora, no novo mapa, que existem muitas semelhanças com o mapa do século XIX. Mas, graças à massa de informação genética hoje disponível, revelaram também diferenças que podem ser essenciais para a concepção de futuros programas de conservação das espécies.
"Wallace era um naturalista extraordinário", disse ao PÚBLICO Miguel Araújo, professor da cátedra de Biodiversidade Rui Nabeiro do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) na Universidade de Évora - e co-autor do trabalho. "Viajou pelo mundo inteiro e verificou que, em cada região, existiam espécies diferentes, de aspecto diferente."
Porém, Wallace apenas dispunha de informação sobre um número limitado de espécies, na maioria mamíferos, que tinha visto no terreno durante as suas viagens ou cuja existência conhecia através de amigos e colegas. Ora, essa situação é hoje radicalmente diferente: "Nos últimos anos, tem-se estado a reconstruir os mapas biogeográficos dos mamíferos, dos anfíbios e das aves", explica Miguel Araújo. "Toda esta informação [sobre a distribuição das espécies] é muito recente."
E por outro lado, Wallace também "não tinha a árvore da vida, embora ela já estivesse, de forma qualitativa, por trás da sua classificação", salienta o cientista. "Nós tivemos agora em conta as filogenias todas", incluindo uma nova árvore genética das aves, que a equipa publica online juntamente com o seu artigo.
Os reinos e a linha de Wallace
Com base nas suas observações, Wallace, considerado o "pai" da biogeografia, tinha dividido o mundo em seis grandes "reinos". O novo mapa vem acrescentar cinco novos reinos, que podem ainda ser subdivididos em 20 regiões mais pequenas. "Os reinos fornecem uma informação muito prática, muito clara, da origem evolutiva comum das espécies", diz ainda Miguel Araújo. Porém, conforme o tipo de aplicação, pode ser precisa a distribuição mais fina em regiões.
Novidades? "Wallace pensava que Madagáscar estava ligada à África", refere o cientista, "mas segundo nós é um reino perfeitamente independente". E mais: "A origem evolutiva de Madagáscar é mais próxima da Índia do que da África." O resultado bate certo com o que se sabe da tectónica das placas: Madagáscar separou-se da Índia e não de África.
Outra diferença em relação ao velho mapa é o facto de o Norte de África unir-se agora num único reino com a Península Arábica (num conjunto designado reino saro-arábico), quando até aqui estava incluído no reino paleárctico, que engloba a Eurásia. Também foi possível distinguir, a sul do paleárctico, um reino sino-japonês. E quanto à Nova Zelândia, passou a pertencer ao mesmo reino que a Austrália, o que não era o caso até aqui. Ao mesmo tempo, o reino australiano original ficou partido em dois: australiano e oceânico (este último incluindo a Nova Guiné e as ilhas do Pacífico).
"Madagáscar é um caso especial", explica ainda o cientista. "Se tivéssemos de atribuir medalhas, a de ouro iria para a Austrália, que é a região mais individualizada do planeta e a que tem a fauna mais diferente; a de prata iria para Madagáscar e a de bronze para a América Latina, que permaneceu muito isolada e longe dos grandes fluxos de migração."
As novas características biogeográficas agora reveladas deverão ter implicações importantes ao nível dos programas de conservação das espécies. "Se Madagáscar estivesse ligada à África, a sua prioridade em termos de conservação seria menor", exemplifica Miguel Araújo. Mas com uma fauna única no mundo, trata-se de algo "mais universal" e a sua prioridade no panorama da biodiversidade passa logo para outro patamar.
Uma outra questão que o novo mapa poderá agora vir resolver diz respeito àquilo que hoje é conhecido como "linha de Wallace" - um obstáculo à dispersão das espécies animais que, segundo teorizou aquele naturalista, marcaria uma separação entre as faunas do seu reino oriental (que inclui o subcontinente indiano e o Sudeste asiático) e o da Austrália. Wallace colocara essa fronteira natural no estreito de Macáçar, entre Bornéu e a ilha indonésia de Celebes. "Tem havido um grande debate sobre onde passa a linha", diz Miguel Araújo, acrescentando terem agora confirmado que está essencialmente muito perto da localização atribuída por Wallace.
Será que os especialistas de biodiversidade vão já passar a utilizar o novo mapa? Para Miguel Araújo, não há dúvidas de que, a partir de agora, "o mapa de Wallace está desactualizado". O novo mapa será, entretanto, colocado à disposição da comunidade internacional, em particular através do Google Earth.
Fonte: Público
Uma equipa internacional de investigadores, entre os quais um especialista português de biodiversidade, combinou os dados evolutivos e geográficos - coligidos ao longo de 20 anos sobre 21.037 espécies de vertebrados - e produziu um mapa "moderno" da distribuição geográfica de todos os mamíferos não-marinhos, dos anfíbios e das aves actualmente conhecidos.
O novo mapa, apresentado ontem ao fim da tarde na edição online da revista Science, actualiza e "corrige" o mapa utilizado até aqui pelos especialistas como base para os estudos da biodiversidade animal no nosso planeta. Um mapa que data de... 1876 e cujo autor foi o naturalista britânico Alfred Russel Wallace, co-descobridor, independentemente de Charles Darwin, da teoria da selecção natural das espécies.
Os autores da actualização confirmaram agora, no novo mapa, que existem muitas semelhanças com o mapa do século XIX. Mas, graças à massa de informação genética hoje disponível, revelaram também diferenças que podem ser essenciais para a concepção de futuros programas de conservação das espécies.
"Wallace era um naturalista extraordinário", disse ao PÚBLICO Miguel Araújo, professor da cátedra de Biodiversidade Rui Nabeiro do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) na Universidade de Évora - e co-autor do trabalho. "Viajou pelo mundo inteiro e verificou que, em cada região, existiam espécies diferentes, de aspecto diferente."
Porém, Wallace apenas dispunha de informação sobre um número limitado de espécies, na maioria mamíferos, que tinha visto no terreno durante as suas viagens ou cuja existência conhecia através de amigos e colegas. Ora, essa situação é hoje radicalmente diferente: "Nos últimos anos, tem-se estado a reconstruir os mapas biogeográficos dos mamíferos, dos anfíbios e das aves", explica Miguel Araújo. "Toda esta informação [sobre a distribuição das espécies] é muito recente."
E por outro lado, Wallace também "não tinha a árvore da vida, embora ela já estivesse, de forma qualitativa, por trás da sua classificação", salienta o cientista. "Nós tivemos agora em conta as filogenias todas", incluindo uma nova árvore genética das aves, que a equipa publica online juntamente com o seu artigo.
Os reinos e a linha de Wallace
Com base nas suas observações, Wallace, considerado o "pai" da biogeografia, tinha dividido o mundo em seis grandes "reinos". O novo mapa vem acrescentar cinco novos reinos, que podem ainda ser subdivididos em 20 regiões mais pequenas. "Os reinos fornecem uma informação muito prática, muito clara, da origem evolutiva comum das espécies", diz ainda Miguel Araújo. Porém, conforme o tipo de aplicação, pode ser precisa a distribuição mais fina em regiões.
Novidades? "Wallace pensava que Madagáscar estava ligada à África", refere o cientista, "mas segundo nós é um reino perfeitamente independente". E mais: "A origem evolutiva de Madagáscar é mais próxima da Índia do que da África." O resultado bate certo com o que se sabe da tectónica das placas: Madagáscar separou-se da Índia e não de África.
Outra diferença em relação ao velho mapa é o facto de o Norte de África unir-se agora num único reino com a Península Arábica (num conjunto designado reino saro-arábico), quando até aqui estava incluído no reino paleárctico, que engloba a Eurásia. Também foi possível distinguir, a sul do paleárctico, um reino sino-japonês. E quanto à Nova Zelândia, passou a pertencer ao mesmo reino que a Austrália, o que não era o caso até aqui. Ao mesmo tempo, o reino australiano original ficou partido em dois: australiano e oceânico (este último incluindo a Nova Guiné e as ilhas do Pacífico).
"Madagáscar é um caso especial", explica ainda o cientista. "Se tivéssemos de atribuir medalhas, a de ouro iria para a Austrália, que é a região mais individualizada do planeta e a que tem a fauna mais diferente; a de prata iria para Madagáscar e a de bronze para a América Latina, que permaneceu muito isolada e longe dos grandes fluxos de migração."
As novas características biogeográficas agora reveladas deverão ter implicações importantes ao nível dos programas de conservação das espécies. "Se Madagáscar estivesse ligada à África, a sua prioridade em termos de conservação seria menor", exemplifica Miguel Araújo. Mas com uma fauna única no mundo, trata-se de algo "mais universal" e a sua prioridade no panorama da biodiversidade passa logo para outro patamar.
Uma outra questão que o novo mapa poderá agora vir resolver diz respeito àquilo que hoje é conhecido como "linha de Wallace" - um obstáculo à dispersão das espécies animais que, segundo teorizou aquele naturalista, marcaria uma separação entre as faunas do seu reino oriental (que inclui o subcontinente indiano e o Sudeste asiático) e o da Austrália. Wallace colocara essa fronteira natural no estreito de Macáçar, entre Bornéu e a ilha indonésia de Celebes. "Tem havido um grande debate sobre onde passa a linha", diz Miguel Araújo, acrescentando terem agora confirmado que está essencialmente muito perto da localização atribuída por Wallace.
Será que os especialistas de biodiversidade vão já passar a utilizar o novo mapa? Para Miguel Araújo, não há dúvidas de que, a partir de agora, "o mapa de Wallace está desactualizado". O novo mapa será, entretanto, colocado à disposição da comunidade internacional, em particular através do Google Earth.
Fonte: Público
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