Equipa internacional com importante participação portuguesa confirma a sua surpreendente descoberta, anunciada há dois anos, e que poderá pôr em causa um dos pilares teóricos da Física.
A descoberta, em 2010, apanhou de surpresa não apenas os seus autores, mas os físicos do mundo inteiro. Medições do tamanho do protão indicavam que o raio deste constituinte de base dos átomos seria muito inferior ao que se pensava. O resultado, obtido por 32 cientistas – do Instituto Max Planck, na Alemanha; do Instituto Paul Scherrer e do ETH de Zurique, na Suíça; do Laboratório Kastler Brossel, em Paris; dos EUA; de Taiwan; e das universidades de Coimbra e de Aveiro (na altura, um grupo de oito investigadores) – fora então publicado na revista Nature. E, agora, a mesma equipa internacional, hoje com 35 elementos – sete dos quais de Coimbra e dois de Aveiro – anuncia, na edição desta sexta-feira da revista Science, a confirmação dessas medições.
Desde aquela publicação inicial que existe um intenso debate em torno de algo que todos vêem como um enigma com potenciais implicações problemáticas para um dos pilares teóricos da Física: a Electrodinâmica Quântica, ou QED, que descreve as interacções entre a luz e a matéria. Os novos resultados não resolvem o enigma, antes confirmam a sua existência, ao mostrar que os primeiros resultados não eram disparatados.
Acontece que é com base na Electrodinâmica Quântica que foi calculado o valor “oficial” do raio do protão: 0,8768 fentómetros (milésimos de bilionésimo de metro). E que o que o que os cientistas procuravam, na altura dos seus primeiros resultados, não era apanhar uma surpresa e criar um mistério, mas apenas acrescentar uma casa decimal a esse valor em vigor, recorrendo a medições experimentais. Só que, em vez disso, viram de repente o raio do protão “encolher” cerca de 4%, para 0,84184 fentómetros.
Ora, a Electrodinâmica Quântica é “a teoria mais exacta e mais bem estudada da Física”, disse quinta-feira ao PÚBLICO Joaquim dos Santos, da Universidade de Coimbra, coordenador do grupo português. Como explicar então que essa teoria não bata certo com a realidade?
Todas estas medições foram realizadas utilizando átomos de hidrogénio – que não são senão um protão com um electrão à volta. Não de hidrogénio natural, mas de uma forma “exótica” do mesmo elemento químico, onde o electrão é substituído por um muão, partícula de igual carga mas 200 vezes mais pesada do que o electrão, que torna as medições mais precisas. “O Instituto Paul Scherrer é uma fábrica de muões”, salienta Joaquim dos Santos. “A nossa equipa é a única no mundo a fazer estas medições com hidrogénio muónico.”
O dispositivo experimental desenvolvido pela equipa é uma “floresta” de lasers ultra-rápidos e de detectores (estes últimos desenvolvidos pelos cientistas portugueses) que permitem medir as diferenças de energia dos muões conforme a distância das suas órbitas (ou “orbitais”) ao protão central, para daí deduzir o tamanho do protão. “Fizemos novas medições para outras orbitais do hidrogénio muónico que confirmam as [nossas primeiras medições] do raio do protão”, diz Joaquim dos Santos. Ou seja, “confirmam que o enigma se mantém”, porque “já não há dúvida na comunidade científica” de que se trata efectivamente de um enigma e não de um erro. O valor do raio do protão hoje publicado na Science é ligeiramente mais preciso do que o anterior: 0,84087 fentómetros.
Teoria incompleta?
E agora? “Algumas medições feitas com hidrogénio natural fornecem um valor próximo do nosso, mas não são ainda consideradas estatisticamente significativas”, diz Joaquim dos Santos. Portanto, vai ser preciso fazer as mesmas medições, com o mesmo dispositivo experimental, mas com hidrogénio natural. Estas experiências já estão em curso ou iminentes em vários laboratórios do mundo, em França, Alemanha, EUA. “Pode ser que esses valores se revelem mais baixos e então não haverá problema com a teoria”, diz o cientista. O enigma resolver-se-á sozinho. Resultados dentro de dois anos.
Porém, outra razão para esta discrepância entre a teoria e a observação poderia ser “a existência de uma partícula desconhecida, responsável por uma interacção entre o muão e o protão” que mascara as coisas. Há pessoas a estudar essa hipótese, mas muitos pensam que se essa partícula existisse, já teria sido encontrada.
A terceira explicação seria que a Electrodinâmica Quântica está incompleta, “que há uma propriedade característica do protão que a teoria ainda não descreve, um fenómeno novo que ela não previa”, frisa Joaquim dos Santos, admitindo que tem uma predilecção por esta hipótese: “Talvez possa ser da teoria, mas é um palpite como outro.”
Seja como for, a equipa já está a analisar os dados obtidos repetindo as medições com deutério muónico (o deutério é uma forma de hidrogénio cujo núcleo inclui um neutrão), esperando ter resultados daqui a um ano.
O alvo que se segue será o hélio muónico (dois protões e dois muões, para além de neutrões), mas esse trabalho irá precisar de um novo dispositivo experimental, com lasers e detectores diferentes.
Fonte: Público
A descoberta, em 2010, apanhou de surpresa não apenas os seus autores, mas os físicos do mundo inteiro. Medições do tamanho do protão indicavam que o raio deste constituinte de base dos átomos seria muito inferior ao que se pensava. O resultado, obtido por 32 cientistas – do Instituto Max Planck, na Alemanha; do Instituto Paul Scherrer e do ETH de Zurique, na Suíça; do Laboratório Kastler Brossel, em Paris; dos EUA; de Taiwan; e das universidades de Coimbra e de Aveiro (na altura, um grupo de oito investigadores) – fora então publicado na revista Nature. E, agora, a mesma equipa internacional, hoje com 35 elementos – sete dos quais de Coimbra e dois de Aveiro – anuncia, na edição desta sexta-feira da revista Science, a confirmação dessas medições.
Desde aquela publicação inicial que existe um intenso debate em torno de algo que todos vêem como um enigma com potenciais implicações problemáticas para um dos pilares teóricos da Física: a Electrodinâmica Quântica, ou QED, que descreve as interacções entre a luz e a matéria. Os novos resultados não resolvem o enigma, antes confirmam a sua existência, ao mostrar que os primeiros resultados não eram disparatados.
Acontece que é com base na Electrodinâmica Quântica que foi calculado o valor “oficial” do raio do protão: 0,8768 fentómetros (milésimos de bilionésimo de metro). E que o que o que os cientistas procuravam, na altura dos seus primeiros resultados, não era apanhar uma surpresa e criar um mistério, mas apenas acrescentar uma casa decimal a esse valor em vigor, recorrendo a medições experimentais. Só que, em vez disso, viram de repente o raio do protão “encolher” cerca de 4%, para 0,84184 fentómetros.
Ora, a Electrodinâmica Quântica é “a teoria mais exacta e mais bem estudada da Física”, disse quinta-feira ao PÚBLICO Joaquim dos Santos, da Universidade de Coimbra, coordenador do grupo português. Como explicar então que essa teoria não bata certo com a realidade?
Todas estas medições foram realizadas utilizando átomos de hidrogénio – que não são senão um protão com um electrão à volta. Não de hidrogénio natural, mas de uma forma “exótica” do mesmo elemento químico, onde o electrão é substituído por um muão, partícula de igual carga mas 200 vezes mais pesada do que o electrão, que torna as medições mais precisas. “O Instituto Paul Scherrer é uma fábrica de muões”, salienta Joaquim dos Santos. “A nossa equipa é a única no mundo a fazer estas medições com hidrogénio muónico.”
O dispositivo experimental desenvolvido pela equipa é uma “floresta” de lasers ultra-rápidos e de detectores (estes últimos desenvolvidos pelos cientistas portugueses) que permitem medir as diferenças de energia dos muões conforme a distância das suas órbitas (ou “orbitais”) ao protão central, para daí deduzir o tamanho do protão. “Fizemos novas medições para outras orbitais do hidrogénio muónico que confirmam as [nossas primeiras medições] do raio do protão”, diz Joaquim dos Santos. Ou seja, “confirmam que o enigma se mantém”, porque “já não há dúvida na comunidade científica” de que se trata efectivamente de um enigma e não de um erro. O valor do raio do protão hoje publicado na Science é ligeiramente mais preciso do que o anterior: 0,84087 fentómetros.
Teoria incompleta?
E agora? “Algumas medições feitas com hidrogénio natural fornecem um valor próximo do nosso, mas não são ainda consideradas estatisticamente significativas”, diz Joaquim dos Santos. Portanto, vai ser preciso fazer as mesmas medições, com o mesmo dispositivo experimental, mas com hidrogénio natural. Estas experiências já estão em curso ou iminentes em vários laboratórios do mundo, em França, Alemanha, EUA. “Pode ser que esses valores se revelem mais baixos e então não haverá problema com a teoria”, diz o cientista. O enigma resolver-se-á sozinho. Resultados dentro de dois anos.
Porém, outra razão para esta discrepância entre a teoria e a observação poderia ser “a existência de uma partícula desconhecida, responsável por uma interacção entre o muão e o protão” que mascara as coisas. Há pessoas a estudar essa hipótese, mas muitos pensam que se essa partícula existisse, já teria sido encontrada.
A terceira explicação seria que a Electrodinâmica Quântica está incompleta, “que há uma propriedade característica do protão que a teoria ainda não descreve, um fenómeno novo que ela não previa”, frisa Joaquim dos Santos, admitindo que tem uma predilecção por esta hipótese: “Talvez possa ser da teoria, mas é um palpite como outro.”
Seja como for, a equipa já está a analisar os dados obtidos repetindo as medições com deutério muónico (o deutério é uma forma de hidrogénio cujo núcleo inclui um neutrão), esperando ter resultados daqui a um ano.
O alvo que se segue será o hélio muónico (dois protões e dois muões, para além de neutrões), mas esse trabalho irá precisar de um novo dispositivo experimental, com lasers e detectores diferentes.
Fonte: Público
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