A chegada em 1988 da doença hemorrágica viral (em inglês, viral hemorrhagic disease ou VHD) à Espanha devastou a população de coelhos-europeus (Oryctolagus cuniculus) no país e, no processo, desencadeou o possível desaparecimento da espécie local mais adaptada à caça desse coelho, o lince-ibérico (Lynx pardinus).
Ese felino encontra-se agora num ponto crítico de ameaça de extinção, com apenas 100-200 animais ainda no ambiente natural. Isso faz do lince-ibérico a espécie felina em mais grave risco de desaparecimento. Em 1960 existiam cerca de 4 mil animais...
Uma das poucas áreas onde o lince-ibérico ainda reside é o Parque Nacional Doñana, na Espanha. De acordo com uma pesquisa publicada no Basic and Applied Ecology, o lince era o único predador no parque incapaz de se adaptar a comer outras presas quando a população de coelhos entrou em colapso.
“Todos os carnívoros reduziram o seu consumo de coelhos após a chegada da VHD, embora essa redução variasse de espécie para espécie”, comentou em declaração oficial Pablo Ferreras, um dos autores mais importantes do tema e investigador no Instituto de Pesquisa em Recursos Cinegéticos em Ciudad Real, Espanha.
De acordo com a pesquisa, predadores como o texugo (Meles meles), a raposa (Vulpes vulpes) e o mangusto-egípcio (Herpestes ichneumon) voltaram a sua atenção para outros pequenos mamíferos, aves e carne em decomposição, quando os coelhos se tornaram menos numerosos. Os texugos, por exemplo, reduziram a quantidade de coelhos da sua dieta de 71,8% a 26,2%. Porém, o lince-ibérico não conseguiu fazer essa mudança; ele ainda depende dos coelhos para cerca de 75% da sua dieta.
Por que é que o lince se mostrou incapaz de se adaptar? Ferreras afirmou que o lince evoluiu na Península Ibérica durante períodos glaciais da época do Pleistoceno, ao mesmo tempo que o coelho europeu: “O tamanho do corpo do lince, menor do que o de seu ancestral evolucionário, resultou da adaptação para caçar coelhos, que constituíam a presa principal do seu ancestral e o comportamento à caça desse animal – na base da emboscada e da espera – é uma adaptação à necessidade de caçar coelhos em arbustos volumosos do Mediterrâneo, onde havia antes uma alta densidade de coelhos.”
De acordo com Ferreras, o lince usa terrenos com arbustos do Mediterrâneo mais do que qualquer outro habitat e depende da presença tanto de coelhos quanto dessa vegetação para viver. “Ele não consegue sobreviver em áreas com alta densidade de coelhos mas sem arbustos mediterrâneos”, explica o pesquisador. Boa parte do antigo habitat do lince, que era cheio de arbustos, perdeu-se por causa da intervenção humana.
A diminuição do fornecimento da sua maior fonte de presas não só afectou a capacidade do lince de se alimentar, como alterou a estrutura social da espécie. Ferreras e a sua equipa descobriram que a fêmea do lince aumentou o tamanho do seu território, ao passo que os linces jovens não se dispersaram das suas áreas de ninhada da maneira como o faziam antes. Os investigadores fazem um apelo para se controlar a população de coelhos por meio de reposição de ninhadas ou melhorias do habitat a fim de salvar o lince-ibérico da extinção.
Ferreras esclarece que a reposição da população de coelhos no parque não criaria um problema ecológico, como no célebre caso da introdução de coelhos na Austrália, porque a espécie é nativa da região e há muitos outros predadores que ajudariam a controlar o seu crescimento numérico. A Península Ibérica é “uma ampla comunidade de 30 a 40 predadores naturais, de répteis a raptores e carnívoros”, informa Ferreras. “Os poucos lugares onde os coelhos são encarados (de maneira subjectiva, provavelmente) como uma peste na Península Ibérica são na maioria das áreas agrícolas, nas quais os predadores são muito raros. Não é esse o caso das paisagens onde há como recuperar o lince e nas quais propomos aumentar o número de coelhos.”
Fonte: Scientific American
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