Vimos ao mundo já equipados com uma série de sistemas cognitivos de base. Elizabeth Spelke estuda há quatro décadas esses tijolos de construção da mente humana.
Voz suave e expressão doce, cabelos lisos partidos ao meio e roupa descontraída que fazem lembrar a revolução hippie, Elizabeth Spelke, hoje com 63 anos, é mundialmente conhecida pelos seus trabalhos em psicologia cognitiva. Começou na década de 1970 a tentar perceber como é que as crianças pequenas dão sentido ao mundo que as rodeia - e a procurar identificar os nossos "sistemas cognitivos nucleares" inatos. No seu BabyLab da Universidade Harvard, mais parecido "com a sala de uma casa" do que com um laboratório convencional, a sua equipa acolhe dezenas de pais e filhos para tentar avaliar a compreensão que, aos poucos meses de idade, os bebés humanos têm dos conceitos de número ou de espaço geométrico, do comportamento dos objectos e até das interacções sociais. Após a conferência que deu na semana passada no simpósio internacional de neurociências que decorreu na Fundação Champalimaud, em Lisboa, Elizabeth Spelke conversou com o PÚBLICO.
O que faz no seu BabyLab?
Interessa-me a mente humana e o que nos torna capazes de desenvolver conhecimentos tão ricos e sistemáticos acerca do mundo. A minha maneira de abordar estas questões é voltando aos estádios mais precoces do desenvolvimento. Estudo crianças e pergunto-me como é que elas conseguem dar sentido ao mundo, o que compreendem, como os seus conhecimentos crescem e mudam ao longo da infância antes de começarem a escola. Trabalho sobretudo com crianças a partir dos três, quatro meses de idade.
Como se faz esse trabalho?
Temos equipamentos para observar os bebés, registar as suas acções e apresentar-lhes coisas que controlamos com grande precisão. Mas ao mesmo tempo, os pais e as crianças que nos visitam poderiam pensar que estão na sala da uma casa. Volta e meia, retiramos os elementos de distracção para mostrar uma coisa a uma criança e ver a sua reacção. Mas mesmo assim, o BabyLab não parece um laboratório. Não há batas brancas e não treinamos os bebés. Observamos o seu comportamento, as suas capacidades naturais.
Quantas crianças passam pelo laboratório?
Pode haver entre 10 e 15 crianças no laboratório ao mesmo tempo, em diversas experiências. Numa semana carregada, podemos ter 30 ou mais crianças, que ficam lá 30 a 45 minutos de cada vez e participam em vários estudos.
Que capacidades estuda?
As minhas primeiras pesquisas foram sobre a compreensão dos objectos pelas crianças - a capacidade de ver os objectos, de os seguir ao longo do tempo, de pensar neles quando não estão visíveis e de prever o seu comportamento futuro. Prever, por exemplo, que quando um objecto colide com outro, o movimento de ambos vai mudar. Também fizemos estudos de cognição espacial, ou seja de navegação num dado espaço.
Como é que medem o que as crianças percebem?
No caso da navegação espacial, pedimos aos pais para trazerem um brinquedo e pomo-lo numa caixa. Não é preciso ensinar um bebé de 18 meses que tem de ir buscar o seu brinquedo - e nós aproveitamos esse comportamento espontâneo para tentar perceber como é que o bebé apreendeo sítio onde está. Também introduzimos perturbações espaciais, por exemplo fazendo rodopiar as crianças para as desorientar ou alterando aspectos da sala para avaliar as alterações de comportamento.
Qual é o denominador comum do seu trabalho?
Quase toda a minha investigação tem consistido em tentar isolar as capacidades cognitivas que se desenvolvem cedo e das quais precisamos para, mais tarde, raciocinar correctamente na matemática e nas ciências. A minha visão de conjunto é que existe uma série de sistemas cognitivos "nucleares", com que nascemos já equipados, e que foram apurados ao longo da evolução para desempenhar tarefas, tais como saber onde estamos ou identificar e categorizar os objectos.
Mas nós, humanos, somos a única espécie que consegue combinar essas capacidades de base de formas inéditas para criar novos sistemas de conhecimento e resolver novos problemas com novos conceitos. A minha hipótese é que essa produtividade provém do que é talvez a única capacidade exclusivamente humana: a de utilizar símbolos externos - e sobretudo a linguagem - para representar a informação. A linguagem não serve só para comunicarmos informação aos outros, serve também para formularmos novos conceitos na nossa própria mente, reunindo informação vinda de sistemas cognitivos à partida distintos. Assim, quando os sistemas cognitivos nucleares que partilhamos com outros animais se combinam, gera-se um conjunto de capacidades que são só nossas. Somos os únicos a fazer matemática, ciência, a desenvolver sistemas inteiros de novos conceitos.O que está a estudar agora?
O que me interessa neste momento é a cognição social: como é que os bebés reagem a pessoas que interagem socialmente umas com outras. E os nossos resultados sugerem que, muito cedo no desenvolvimento, por volta dos quatro meses de vida, já existe uma sensibilidade dos bebés à conformidade - ou seja, ao facto de as pessoas interagirem fazendo gestos semelhantes. Estamos a começar a ver se os bebés usam essa informação para compreender quem gosta de quem, quem está ligado a quem.
Fonte: Público
Voz suave e expressão doce, cabelos lisos partidos ao meio e roupa descontraída que fazem lembrar a revolução hippie, Elizabeth Spelke, hoje com 63 anos, é mundialmente conhecida pelos seus trabalhos em psicologia cognitiva. Começou na década de 1970 a tentar perceber como é que as crianças pequenas dão sentido ao mundo que as rodeia - e a procurar identificar os nossos "sistemas cognitivos nucleares" inatos. No seu BabyLab da Universidade Harvard, mais parecido "com a sala de uma casa" do que com um laboratório convencional, a sua equipa acolhe dezenas de pais e filhos para tentar avaliar a compreensão que, aos poucos meses de idade, os bebés humanos têm dos conceitos de número ou de espaço geométrico, do comportamento dos objectos e até das interacções sociais. Após a conferência que deu na semana passada no simpósio internacional de neurociências que decorreu na Fundação Champalimaud, em Lisboa, Elizabeth Spelke conversou com o PÚBLICO.
O que faz no seu BabyLab?
Interessa-me a mente humana e o que nos torna capazes de desenvolver conhecimentos tão ricos e sistemáticos acerca do mundo. A minha maneira de abordar estas questões é voltando aos estádios mais precoces do desenvolvimento. Estudo crianças e pergunto-me como é que elas conseguem dar sentido ao mundo, o que compreendem, como os seus conhecimentos crescem e mudam ao longo da infância antes de começarem a escola. Trabalho sobretudo com crianças a partir dos três, quatro meses de idade.
Como se faz esse trabalho?
Temos equipamentos para observar os bebés, registar as suas acções e apresentar-lhes coisas que controlamos com grande precisão. Mas ao mesmo tempo, os pais e as crianças que nos visitam poderiam pensar que estão na sala da uma casa. Volta e meia, retiramos os elementos de distracção para mostrar uma coisa a uma criança e ver a sua reacção. Mas mesmo assim, o BabyLab não parece um laboratório. Não há batas brancas e não treinamos os bebés. Observamos o seu comportamento, as suas capacidades naturais.
Quantas crianças passam pelo laboratório?
Pode haver entre 10 e 15 crianças no laboratório ao mesmo tempo, em diversas experiências. Numa semana carregada, podemos ter 30 ou mais crianças, que ficam lá 30 a 45 minutos de cada vez e participam em vários estudos.
Que capacidades estuda?
As minhas primeiras pesquisas foram sobre a compreensão dos objectos pelas crianças - a capacidade de ver os objectos, de os seguir ao longo do tempo, de pensar neles quando não estão visíveis e de prever o seu comportamento futuro. Prever, por exemplo, que quando um objecto colide com outro, o movimento de ambos vai mudar. Também fizemos estudos de cognição espacial, ou seja de navegação num dado espaço.
Como é que medem o que as crianças percebem?
No caso da navegação espacial, pedimos aos pais para trazerem um brinquedo e pomo-lo numa caixa. Não é preciso ensinar um bebé de 18 meses que tem de ir buscar o seu brinquedo - e nós aproveitamos esse comportamento espontâneo para tentar perceber como é que o bebé apreendeo sítio onde está. Também introduzimos perturbações espaciais, por exemplo fazendo rodopiar as crianças para as desorientar ou alterando aspectos da sala para avaliar as alterações de comportamento.
Qual é o denominador comum do seu trabalho?
Quase toda a minha investigação tem consistido em tentar isolar as capacidades cognitivas que se desenvolvem cedo e das quais precisamos para, mais tarde, raciocinar correctamente na matemática e nas ciências. A minha visão de conjunto é que existe uma série de sistemas cognitivos "nucleares", com que nascemos já equipados, e que foram apurados ao longo da evolução para desempenhar tarefas, tais como saber onde estamos ou identificar e categorizar os objectos.
Mas nós, humanos, somos a única espécie que consegue combinar essas capacidades de base de formas inéditas para criar novos sistemas de conhecimento e resolver novos problemas com novos conceitos. A minha hipótese é que essa produtividade provém do que é talvez a única capacidade exclusivamente humana: a de utilizar símbolos externos - e sobretudo a linguagem - para representar a informação. A linguagem não serve só para comunicarmos informação aos outros, serve também para formularmos novos conceitos na nossa própria mente, reunindo informação vinda de sistemas cognitivos à partida distintos. Assim, quando os sistemas cognitivos nucleares que partilhamos com outros animais se combinam, gera-se um conjunto de capacidades que são só nossas. Somos os únicos a fazer matemática, ciência, a desenvolver sistemas inteiros de novos conceitos.O que está a estudar agora?
O que me interessa neste momento é a cognição social: como é que os bebés reagem a pessoas que interagem socialmente umas com outras. E os nossos resultados sugerem que, muito cedo no desenvolvimento, por volta dos quatro meses de vida, já existe uma sensibilidade dos bebés à conformidade - ou seja, ao facto de as pessoas interagirem fazendo gestos semelhantes. Estamos a começar a ver se os bebés usam essa informação para compreender quem gosta de quem, quem está ligado a quem.
Fonte: Público
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